quarta-feira, 16 de julho de 2014

PDS Day 3 – The D day


Já me levantei muitas vezes bastante cedo para ir andar de bike, mas esta, foi a primeira vez que me apanhei em cima de uma bicicleta às 6:30 da manhã. A alvorada no chalet tocou às 6h, e depois de equipados para irmos lutar pela vida e com o pequeno almoço tomado, pusemo-nos a caminho do posto de turismo de Chatel, onde iriamos levantar os nossos dorsais e toda uma panóplia de informações sobre a zona. Não deixa de ser um bocado estúpido, que antes de ires enfrentar 100kms de bike, te encham de papeis, camisolas e brindes alusivos à prova que estás prestes a começar, mas tudo bem, eles são franceses, coitados. Às 7 e picos estávamos despachados e com os frontais colados à bike e fomos andando para o nosso “starting resort”, as cabines de Super Châtel. Deu-se início à monitorização por GPS, abriram-se as comportas e lá fomos nós a abrir "até lá acima”. Uma vez  lá chegados, deram-se os últimos apertos aos equipamentos, desejámos boa sorte uns aos outros e deu-se início à primeira descida.
 

 bring the noise




rise and shine!

Ora a primeira secção não foi nada simpática. Começámos logo por nos perder. Lá encontrámos o caminho da luz,  mas depois de uma boa descida, chegámos a uma secção de alcatrão… a subir! Em meia dúzia de minutos já havia um dos participantes de corrente partida, furos,  e a coisa não se estava a afigurar lá muito ao nosso jeito. Depois de vencida a subida e de atravessada a fronteira para solo helvético, chegámos ao lago de Morgins, onde nadavam alegremente uns patinhos, iluminados pela precoce luz solar típica desta fase do ano. O cenário bucólico deu uma motivação extra e depois de uns kilómetros em plano começámos a descer até ao lift seguinte onde começou o tormento do Jay: o homem tem um medo de morte de telecadeiras, algo que eu compreendo muito bem atendendo à minha pouca predisposição para estar pendurado por cabos, mas que nunca pensei que o viesse a afectar tanto. Terminada esta subida, encontrámos o Jay sentado no chão a fazer contas à vida e a pensar que ainda ia ter mais 15 telecadeiras durante o dia. Iniciámos a descida até Champoussin, onde fomos muito bem recebidos, com fruta, queijos, chocolates e enchidos de vários tipos. Este foi um cenário que se repetiu um sem numero de vezes durante o dia.

os patinhos do lago de Morgins
(não são estes quatro, os patinhos estão mais atrás)



calma velho, já só faltam mais 15...


Les Dents du Midi


refuel & reload


Mais uma telecadeira e começou uma das descidas mais memoráveis do dia, uma daquelas que vou recordar para sempre.  São estes trilhos que me fazem gostar de andar de bike. A descida para Champery era mesmo uma das mais longas, e o início começou em estradão de “pedra batida” em que andámos a curtir com uns drifts. Mas Jay e o Telmo ganharam distância, acabei por também me separar do Carlos e vi-me a fazer sem companhia uma das secções mais brutais do PDS: um single track de inclinação altamente duvidosa, com 1000m de declive, a estalar os timpanos por diversas vezes durante a descida tal era o consumo absurdo de altitude que ia alimentando a bike. Isto tudo, num trilho fantástico, de longe o mais técnico do dia, e com vista ainda mais fantástica para uma das terras mais emblemáticas do MTB na europa: Champéry. Durante a descida lembrei-me inúmeras vezes do Danny Hart e da sua run louca de 2011 por aquelas bandas. E lembrei-me dos outros todos, os que me inspiraram para este desporto há tantos anos, e que por ali já tinham descido... John Tomac, Missy Giove, Shaun Palmer, e do Nico Vouilloz que para além de ali ter ganho inumeras vezes, estava a fazer aquela edição do PDS e a partilhar os trilhos connosco . Os pneus da minha bike estavam a pisar História e havia que estar à altura. Fui ultrapassado por alguns e ultrapassei outros tantos, e acabei por chegar ao final daquele single que para sempre recordarei, inteiro. Os fellow riders aguardavam-me para uma descida em alcatrão bem divertida, sempre a abrir até Champery. O barulho com que chegámos aquela pacata vila acordou metade do vale, e a outra metade que já estava acordada estava à nossa espera com uma especialidade suiça, as raclettes. Emborquei meia dúzia de copos de Rivella para repor as energias e depois de todos juntos novamente, metemo-nos no lift mais impressionante do dia: uma cabine de pelo menos 50m2 que sobe monte acima carregada de pessoas e bikes. Curiosamente, desta, o Jay não teve medo. Eu cá, borrei-me todo.


 agora imaginem um single por aqui abaixo


 some history repeating

Nova descida até Les Crosets, onde passámos por zonas absolutamente fantásticas, com vistas a condizer. A descida fazia-se pelo lado norte de uma encosta, o que nos proporcionava contacto constante com neve que ainda subsistia em pequenos aglomerados. Apesar de não ter uma inclinação tão acentuada, a pista era larga e deu espaço para uma avalanche de ultrapassagens e de tentativas de ultrapassagem, drifts de sei lá quantos metros, em que se tentava encaixar a bike no espacinho à frente do gajo que ia à nossa frente. Estava montada a palhaçada, que só acabou quando acabou a descida, já novamente em terreno francês, em Les Lindarets.

 on the top

 companheiros de luta, na paragem estratégica para um gel de cafeina


atingido pelas "rolling stones"

never ending singles

Les Lindarets foi uma daquelas surpresas que só quem lá esteve consegue explicar. Uma terrinha, encaixada no meio de um vale, praticamente sem acessos e composta por três casinhas. Quando digo três, são literalmente três. Mas a festa que por ali estava montada era digna de uma capital de distrito. Um trio de músicos na onda do jazz new orleans animava as hostes enquanto um farto abastecimento com outra especialidade local, a tartiflette, nos fornecia energia. A onda destes quatro tugas que ali tinham aterrado sobressaía, e até os músicos engraçaram connosco. E mesmo quando damos connosco a comer ao lado dos caixotes do lixo, o humor não esmorece e alguém afirma que “o pessoal da europa do sul fica ao pé dos caixotes do lixo”. À medida que enfardávamos tartiflettes, havia um certo sentimento de estarmos a recuperar o que os “europeus do norte” nos tinham tirado nos últimos 3 anos. E metade do dia estava decorrido .



a tartiflette

Ali, fica a Europa do Sul (e o caixote do lixo)


e ninguém faz a festa como os europeus do Sul

Depois de mais uma telecadeira, mais uma descida absolutamente inesquecível, até Morzine. Apesar de semi-perdidos ao inicio, demos connosco numa descida super rápida, com secções de “pista” de bike park onde finalmente conseguimos fazer curvas com apoio e sem derrapar. Sucederam-se as ultrapassagens, o que inevitavelmente pica o ultrapassado. Na tentativa de recuperar a distância para os da frente, o Jay deu o melhor espeta que nos calhou em todo o PDS e que lhe deixou uma bela medalha na perna. O Jay não nos parecia particularmente chateado com o sucedido, pelo contrário, exibia até um certo orgulho em “ter caído em Morzine”. A verdade é essa, não se espetou em Belas ou em Sintra, espetou-se em Morzine, e isso muda tudo. A dor é a mesma, mas a história para contar é muito melhor! O final desse troço era cerca de 2km de alcatrão até ao centro da vila, que nos custou imenso.

medal of honor
(isto foi umas horas depois, ao 3º dia estava mais bonita)


Em Morzine, e apesar de nos mimarem com um fondue de chocolate, o ambiente não estava nada apelativo. Um concerto na zona do abastecimento, a debitar 120dB, tornava o local impraticável, e depois de uns golinhos numa cerveja acabámos a fugir dali muito rapidamente em direcção a Les Gets, que agora sabemos que se diz “LêgÊ”. Mais uma secção de pistas até Les Gets, que terminava numa zona de tables mesmo à entrada da vila. Les Gets foi a vila que recebeu o paddock principal, e aquilo também estava em festa.


GAS @ Morzine


 a chegada a Les Gets (not bad, not bad)


Esperava-nos uma das secções mais difíceis do dia, o troço de regresso a Morzine desde Les Gets. Inúmeras subidas “leg propelled” foram quase exasperantes e sempre que pensávamos que tinha sido a última, eramos brindados com a seguinte uns metros mais à frente. Perdemos imenso tempo nesta secção e o tempo para concluirmos a prova estava a começar a estreitar. Estava na hora de começarmos a perder menos tempo de volta das iguarias e de começar a dar fogo à peça. Regressados a Morzine, apressámo-nos a apanhar o teleférico duplo que nos levaria novamente até Les Lindarets e onde apanhámos, num caso único durante o dia, uma enorme fila para os meios mecânicos. A descida até Les Lindarets foi novamente por “pedra batida” e já só faltavam mais 2 lifts.


  
não eram 7000m a descer?


 parece que não...



ic19, rush hour

O TS de Chaux Fleurie levou-nos até ao pico do bike park de Chatel. E a descida era mesmo pelo meio do bike park. Com receio de apanharmos mais alguma subida difícil começámos a fazer as “dh options” umas atrás das outras, e foi assim que, já com cerca de 80kms comidos, demos connosco  a fazer pistas vermelhas. O Telmo queixava-se de que ainda não tinha feito uma preta e queria meter-se, depois de 9 horas de downhill, na Black Shore, que é a pista dos argentinos do vídeo do “epic fail at Chatel”. Ninguem o deixou cometer essa loucura, mas em compensação ripámos pelas vermelhas abaixo.



rider @ PDS


rider @ PDS


Chegámos finalmente ao ultimo teleférico, o de Pré de La Joux e a proximidade do fim da jornada trouxe algum conforto e permitiu fazer os últimos kilometros a um ritmo menos puxado. E a o trilho a isso obrigava, pois havia secções em que, do lado esquerdo, só se via  uma ravina de sei lá quantos metros. Depois de novamente reunidos, a descida até Chatel só terminou na Switch5, onde efusivamente nos agarrámos uns aos outros a felicitarmo-nos mutuamente, com uma fraternidade que só o outro latino do vale, o Alex, conseguia compreender. 100 kms depois, o PDS estava feito!

PDS Day 2 – camera's ready, prepare the flash


Instalados num vale profundo, era impossível não olhar para cima, ver 700m de “montes” em todas as direcções, com inclinações bastante respeitosas e que não costumamos ver em Portugal, e pensar “mas por onde é que nós vamos descer?”. Apesar da imponente moldura que por ali se apresentava, eu e o Carlos tínhamos a missão de tirar as bikes das caixas e devolver-lhes a forma que as caracteriza. Decidimos começar pela Pitch para que houvesse uma forma de locomoção mais eficiente que andar, e uma vez montada, serviu de transporte para o Jay ir até à vila checar os alugueres das bikes e comprar umas baguettes. Uma vez que, apesar da diferença de estatura, partilhamos o peso, pedi para que aproveitasse para corrigir a carga no amortecedor e me arranjasse um raio que se tinha partido na viagem. 

don't mess with the unions


Chegou encantado com o tratamento que tinha recebido na SWITCH5, e este é o momento de dizer que o gajo mais bacano que encontrámos em França, afinal era um italiano, o nosso amigo (acho que depois destes dias já podemos dizer isto assim) Alex.



 Gravity Assisted Sports and Alex @ Switch5

Depois de montada a segunda burra, a Viper do Carlos, estava na hora de irmos almoçar, tendo a escolha recaído em massa com qualquer coisa. Após um bom almoço, com direito a digestivos contrabandeados para a terra do conhaq, fomos até à vila, ver as vistas, beber uma cervejinha e levantar as bikes na Switch5, as GT Ruckus que iam enfrentar o PDS. Depois de terminado o carregamento dos backpacks para o grande dia, fomos dormir e preparar os corpos para a monumental sova que estavam prestes a levar.

the unimog!

quarta-feira, 9 de julho de 2014

PDS Day 1 – The crew is here, and we're the crew


As palavras começam a sair e o orgulho da concretização instala-se à medida que o ácido láctico vai desparecendo. A nossa trip aos Alpes correu para lá de bem e o Pass’portes foi feito com a destreza possível, mas há tanto para contar que tudo isto tem de ser feito com rigor, para que esta crónica perdure, pelo menos tanto como as excelentes memórias que trouxemos dos Alpes.





Aversão a aviões não é um tema novo, e é sobejamente conhecida a minha falta de confiança na “confiança no equipamento”.Talvez por isso nunca tenha saltado de paraquedas, feito bungee ou coisas semelhantes que envolvam depositar a continuidade da minha vida numa corda. Enfiar-me num tubo de alumínio a 11km de altitude não é muito diferente, e isso deixa-me sempre ansioso antes de viagens de avião. Para ajudar à coisa, no dia 24, antes da nossa partida, os camaradas do controlo aéreo francês  entraram em greve e um grande numero de voos foi cancelado, o que fez disparar os receios de que “alguma coisa não corresse bem”. A alvorada no dia da partida foi logo às 3:30. Com poucas horas dormidas e com banho tomado, fui carregar os cerca de 50kg de equipamento que decidi levar comigo para esta jornada e, à boleia do meu querido Pai, que se levantou igualmente cedo, parti para o aeroporto. O Telmo já lá estava, todo aceso de GoPro na mão. Entretanto chega o Carlos e inicia-se uma espera (que na altura nos pareceu enorme) pelo eternamente atrasado João Pedro. 20 anos passaram desde que fomos da mesma turma, mas o “ser o ultimo a chegar”, sempre depois do 2º toque, é uma característica que não perdeu com o tempo. Mesmo atrasado, tás cá no coração, velhinho!



teaming up @ Lx's airport

Logo no check-in, fomos alertados de que o nosso voo estava em “stand-by”, o que valeu a mim e ao Carlos a primeira “borla” da viagem – não pagámos as bicicletas – num bonito gesto da TAP que desta forma nos compensou do atraso que estava por ocorrer, com cerca de 2horas de espera, confortavelmente sentados no chão do gate (o primeiro “gate” de muitos). Depois do embarque, do "taxi"(eheheh), e do gozo que é o disparo da descolagem, o Telmo decidiu começar a ver o “mayday desastres aéreos” no pad, o que era contra-indicado para a serenidade da minha viagem aerotransportada, e me levou a dizer qualquer coisa como “isso é tão estupido como ver o Apollo 13 no space shuttle”. O nosso vizinho do lado ria-se com a quantidade de disparates que estes 4 debitavam por minuto, e enquanto eu pedia a um comissário para me arranjar umas bolachinhas, o pessoal de bordo decidiu por comida à nossa frente, para ver se nos calávamos. Funcionou, e após o segundo pequeno almoço do dia, até deu tempo para uma soneca.

3 bastards bullying the sleepy bastard



Chegados a Genéve, era hora de ver se o pessoal da ground force não nos tinha trocado as voltas e enviado as bikes para o Burkina Faso. E elas lá estavam, a aguardar a recolha no tapete correspondente. Por outro lado, o nosso atraso trocou as voltas ao gajo do shuttle, que acabou por se atrasar também, mas nada que nos fizesse esmorecer. Assim que chegou, enfiámos as coisas na carrinha e começámos a viagem de cerca de 2 horas até Chatel. Encantados com a beleza da paisagem circundante, as palavras começaram a ser mais escassas e demos descanso ao condutor, que deve estar habituado à excitação dos gajos que lhe vão chegando por aquelas bandas, não fosse o nome do nosso shuttle  “ActionTransfers.com”.



Os backstreet boys chegaram à aldeia... 


 E a aldeia é épica!


Chegámos ao nosso Chalet e contactámos a “grande cabra, fdp, nazi do carail”, a dona do apartamento, a Madame Laetitia. Vão perceber todo este ódio na crónica do ultimo dia. Ela lá chegou, e a ausência de comunicação (algo sempre constante nesta trip) e a falta empatia deviam ter à partida deixado adivinhar que aquela camponesa não era boa rês. Devidamente instalados, partimos rumo à vila de Châtel para encher a despensa de “essencial goods”, nomeadamente uma cervejinha de trigo Hoegaarden, marca que acabou por ser um dos grandes "patrocionadores". Depois do jantar, em que não faltou a incontornável massa, fomos todos repor as horas de sono que não tínhamos dormido na noite anterior.

 Belgian Weiss strikes one