Já
me levantei muitas vezes bastante cedo para ir andar de bike, mas esta,
foi a primeira vez que me apanhei em cima de uma bicicleta às 6:30 da manhã. A alvorada no chalet
tocou às 6h, e depois de equipados para irmos lutar pela vida e
com o pequeno almoço tomado, pusemo-nos a caminho do posto de turismo de
Chatel, onde iriamos levantar os nossos dorsais e toda uma panóplia de
informações sobre a zona. Não deixa de ser
um bocado estúpido, que antes de ires enfrentar 100kms de bike, te
encham de papeis, camisolas e brindes alusivos à prova que estás prestes a começar,
mas tudo bem, eles são franceses, coitados. Às 7 e picos estávamos
despachados e com os frontais colados à bike e fomos
andando para o nosso “starting resort”, as cabines de Super Châtel.
Deu-se início à monitorização por GPS, abriram-se as comportas e lá
fomos nós a abrir "até lá acima”. Uma vez lá chegados, deram-se os
últimos apertos aos equipamentos, desejámos boa sorte
uns aos outros e deu-se início à primeira descida.
bring the noise
rise and shine!
os patinhos do lago de Morgins
(não são estes quatro, os patinhos estão mais atrás)
calma velho, já só faltam mais 15...
Les Dents du Midi
Mais
uma telecadeira e começou uma das descidas mais memoráveis do dia, uma
daquelas que vou recordar para sempre. São estes trilhos que me fazem gostar de andar de bike. A descida
para Champery era mesmo uma das mais longas, e o início começou em
estradão de “pedra
batida” em que andámos a curtir com uns drifts. Mas Jay e o Telmo ganharam distância, acabei por também me separar do Carlos e vi-me a
fazer sem companhia uma das secções mais brutais do PDS:
um single track de inclinação altamente duvidosa, com 1000m de declive, a
estalar os timpanos por diversas vezes durante a descida
tal era o consumo absurdo de altitude que ia alimentando a bike. Isto tudo, num trilho fantástico, de longe o mais técnico do dia, e com vista ainda mais fantástica para uma
das terras mais emblemáticas do MTB na europa: Champéry. Durante
a descida lembrei-me inúmeras vezes do Danny Hart e da sua run louca de
2011 por aquelas bandas. E lembrei-me dos outros todos, os que me inspiraram para este desporto há tantos anos, e que por ali já tinham descido... John Tomac, Missy Giove, Shaun Palmer, e do Nico Vouilloz que para além de ali ter ganho inumeras vezes, estava a fazer aquela edição do PDS e a partilhar os trilhos connosco . Os pneus da minha bike estavam a pisar História e havia que estar à altura. Fui
ultrapassado por alguns e ultrapassei outros tantos, e acabei por chegar ao
final daquele single que para sempre recordarei, inteiro. Os fellow riders aguardavam-me para uma
descida em alcatrão bem divertida, sempre a abrir até Champery. O barulho com
que chegámos aquela pacata vila acordou metade do vale, e a outra metade
que já estava acordada estava à nossa espera com uma especialidade
suiça, as raclettes. Emborquei meia dúzia de copos
de Rivella para repor as energias e depois de todos juntos novamente,
metemo-nos no lift mais impressionante do dia: uma cabine de pelo menos 50m2 que sobe monte acima carregada de pessoas e bikes. Curiosamente,
desta, o Jay não teve medo. Eu cá, borrei-me
todo.
agora imaginem um single por aqui abaixo
some history repeating
Nova
descida até Les Crosets, onde passámos por zonas absolutamente
fantásticas, com vistas a condizer. A descida fazia-se pelo lado norte
de uma encosta, o que nos
proporcionava contacto constante com neve que ainda subsistia em
pequenos aglomerados. Apesar de não ter uma inclinação tão acentuada, a
pista era larga e deu espaço para uma avalanche de ultrapassagens e de
tentativas de ultrapassagem, drifts de sei lá quantos
metros, em que se tentava encaixar a bike no espacinho à frente do gajo
que ia à nossa frente. Estava montada a palhaçada, que só acabou quando
acabou a descida, já novamente em terreno francês, em Les Lindarets.
on the top
companheiros de luta, na paragem estratégica para um gel de cafeina
atingido pelas "rolling stones"
never ending singles
Les
Lindarets foi uma daquelas surpresas que só quem lá esteve consegue
explicar. Uma terrinha, encaixada no meio de um vale, praticamente sem
acessos e composta por
três casinhas. Quando digo três, são literalmente três. Mas a festa que
por ali estava montada era digna de uma capital de distrito. Um trio de
músicos na onda do jazz new orleans animava as hostes enquanto um farto
abastecimento com outra especialidade local,
a tartiflette, nos fornecia energia. A onda destes quatro tugas que ali
tinham aterrado sobressaía, e até os músicos engraçaram connosco. E mesmo quando damos connosco a comer ao lado dos caixotes do lixo, o
humor não esmorece e alguém afirma que “o pessoal da europa do
sul fica ao pé dos caixotes do lixo”. À medida que enfardávamos tartiflettes, havia um certo sentimento de estarmos a recuperar o que os “europeus
do norte” nos tinham tirado nos últimos 3 anos. E metade do dia estava decorrido .
a tartiflette
Ali, fica a Europa do Sul (e o caixote do lixo)
e ninguém faz a festa como os europeus do Sul
Depois
de mais uma telecadeira, mais uma descida absolutamente inesquecível,
até Morzine. Apesar de semi-perdidos ao inicio, demos connosco numa descida super
rápida, com secções
de “pista” de bike park onde finalmente conseguimos fazer curvas com
apoio e sem derrapar. Sucederam-se as ultrapassagens, o que
inevitavelmente pica o ultrapassado. Na tentativa de recuperar a
distância para os da frente, o Jay deu o melhor espeta que nos calhou
em todo o PDS e que lhe deixou uma bela medalha na perna. O Jay não nos
parecia particularmente chateado com o sucedido, pelo contrário, exibia
até um certo orgulho em “ter caído em Morzine”. A verdade é essa, não se
espetou em Belas ou em Sintra, espetou-se
em Morzine, e isso muda tudo. A dor é a mesma, mas a história para
contar é muito melhor! O final desse troço era cerca de 2km de alcatrão
até ao centro da vila, que nos custou imenso.
medal of honor
(isto foi umas horas depois, ao 3º dia estava mais bonita)
Em
Morzine, e apesar de nos mimarem com um fondue de chocolate, o ambiente
não estava nada apelativo. Um concerto na zona do abastecimento, a
debitar 120dB, tornava
o local impraticável, e depois de uns golinhos numa cerveja acabámos a
fugir dali muito rapidamente em direcção a Les Gets, que agora sabemos
que se diz “LêgÊ”. Mais uma secção de pistas até Les Gets, que terminava numa zona de tables mesmo à entrada da vila. Les Gets foi a vila que recebeu o paddock principal, e aquilo também estava em festa.
GAS @ Morzine
a chegada a Les Gets (not bad, not bad)
Esperava-nos uma das secções mais difíceis do dia, o troço de regresso a Morzine desde Les Gets. Inúmeras subidas “leg propelled” foram quase exasperantes e sempre que pensávamos que tinha sido a última, eramos brindados com a seguinte uns metros mais à frente. Perdemos imenso tempo nesta secção e o tempo para concluirmos a prova estava a começar a estreitar. Estava na hora de começarmos a perder menos tempo de volta das iguarias e de começar a dar fogo à peça. Regressados a Morzine, apressámo-nos a apanhar o teleférico duplo que nos levaria novamente até Les Lindarets e onde apanhámos, num caso único durante o dia, uma enorme fila para os meios mecânicos. A descida até Les Lindarets foi novamente por “pedra batida” e já só faltavam mais 2 lifts.
não eram 7000m a descer?
parece que não...
ic19, rush hour
O
TS de Chaux Fleurie levou-nos até ao pico do bike park de Chatel. E a
descida era mesmo pelo meio do bike park. Com receio de apanharmos mais
alguma subida difícil
começámos a fazer as “dh options” umas atrás das outras, e foi assim que, já com cerca de 80kms
comidos, demos connosco a fazer pistas vermelhas. O Telmo queixava-se
de que ainda não tinha feito uma preta e queria meter-se, depois de 9 horas de downhill,
na Black Shore, que é a pista dos argentinos do vídeo do “epic fail
at Chatel”. Ninguem o deixou cometer essa loucura, mas
em compensação ripámos pelas vermelhas abaixo.
rider @ PDS
rider @ PDS
Chegámos
finalmente ao ultimo teleférico, o de Pré de La Joux e a proximidade do
fim da jornada trouxe algum conforto e permitiu fazer os últimos
kilometros a um ritmo
menos puxado. E a o trilho a isso obrigava, pois havia secções
em que, do lado esquerdo, só se via uma ravina de sei lá quantos
metros. Depois de novamente reunidos, a descida até Chatel só terminou na Switch5, onde efusivamente
nos agarrámos uns aos outros a felicitarmo-nos
mutuamente, com uma fraternidade que só o outro latino do vale, o Alex,
conseguia compreender. 100 kms depois, o PDS estava feito!